sexta-feira, 12 de outubro de 2007

como dois e dois

(Caetano Veloso)

Quando você
Me ouvir cantar
Venha não creia eu não corro perigo
Digo não digo não ligo, deixo no ar
Eu sigo apenas porque gosto de cantar

Tudo vai mal, tudo, tudo
Tudo é igual quando eu canto e sou mudo
Mas eu não minto, não minto
Estou longe e perto
Sinto alegrias, tristezas e brinco

Meu amor
Tudo em volta está deserto, tudo certo
Tudo certo como dois e dois são cinco

Quando você me ouvir chorar
Tente, não cante, não conte comigo
Falo, não calo, não falo, deixo sangrar
Algumas lágrimas bastam pra consolar

Tudo vai mal, tudo
Tudo mudou, não me iludo e contudo
A mesma porta sem trinco, o mesmo teto
E a mesma lua a furar nosso zinco

Meu amor
Tudo em volta está deserto, tudo certo
Tudo certo como dois e dois são cinco.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Pena de morte resolve inchação demográfica

Na China, muitos crimes têm como sanção a pena de morte. Eis um método oficialmente praticado com o objetivo de realizar controle demográfico do país mais populoso do mundo. Ou seja, a pena de morte tem sentido além daquele prontamente dissimulado como medida para controlar a violência e garantir a segurança social. O intento desse instituto jurídico é, acima de tudo, “desinchar” o vulto demográfico.

O excesso de vida humana coexistindo num mesmo espaço territorial é o motivo de sua própria banalização. Como conseqüência desse aviltamento da vida, desenvolve-se vulgarização da morte. A verossimilhança dessa assertiva deve-se ao fato de ouvirem corriqueiramente a notícia de que o Estado envia à família do condenado à morte a conta da munição detonada para executá-lo. Esse ato grosseiro, para a acepção do mundo ocidental, simboliza o desprezo pela vida do ser humano.

domingo, 2 de setembro de 2007

consgração ou tragédia?

Férias e adolescência. Para melhorar a condição existencial, um pouco de euforia, uma dúzia de cigarros e fiança suficiente para cobrir o consumo de meia dúzia de garrafas de cerveja e pequenas emergências de possíveis demandas. Um carro fornido com uma razoável fração de combustível completaria a vaidade de Alan com seus 20 anos de idade.

Sexta-feira: dia de movimentação na Praça Coronel Zeca Leite, a qual torneava o prédio da Câmara Municipal dos Vereadores; uma das mais freqüentadas de Brumado à noite. A mocidade em pleno esplendor se confluía multiglomeradamente derredor da praça. Era inverno do ano de 1997, meado do mês de junho. Nesse período do ano, uma parte da população debandava-se para cidades contíguas em busca de diversão e fornicagens, já que Brumado passou a ficar fora do circuito do São João carnavalizado. Era assim tal fenômeno rotulado por pessoas que criticavam a homogeneização da cultura baiana e, acima de tudo, a descaracterização das festanças juninas tradicionais. Na Bahia, inclusive, tudo termina na base da carnavassalagem.

No entanto, a outra parcela da população da cidade, como forma de resistência cultural – talvez também por insuficiência pecuniária – permanecia na cidade, sem megalomania nem sentimento de inferioridade, a divertir-se por ali mesmo como podia, aconchegando-se ao redor de fogueiras para atenuar o efeito do frio, ou reunindo-se em torno de mesas de bar, bebendo, devassando mundinhos particulares para lacrimejar a caterva com risos sacanas e descontrácteis, ou melhor, relaxantes. Pois bem, o fato é que o ponto de confluência era a “praça da prefeitura”, assim conhecida pelo senso comum.

Alan havia desistido de pegar a estrada. Estava sem dinheiro e, congruentemente, tomado por um sentimento ufano ao reconhecer que não era um carnavassalo, mas, um carnavalesco ou um carnavadio, se preferisse. Àquela altura, prontifica-se para sair sobre as ruas daquela cidade subjacente às fumaças emanadas dos fogos de artifício; precisava ficar algumas horas fora de casa para arejar a mente grávida de impressões contraídas ao fio de uma prolongada sessão de filmes assistidos naquela tarde.

Terminado o banho, Alan consegue deduzir pela voz do jornalista da televisão que já são quase nove horas da noite. Desenrolou-se da toalha e rapidamente vestiu uma roupa nova. Abotoou o relógio em volta do pulso cantarolando o estribilho de uma música de Raul Seixas. Em seguida, encaminhou-se novamente ao banheiro de seu quarto para escovar os dentes, enquanto punha-se a revisar sua aparência usando nada mais do que as mãos limpas para empreender possíveis reparos em seu padrão estético.

Sobreveio a lembrança de que precisava se alimentar antes de sair, apesar de se sentir privado de considerável sensação de fome. A todo custo, sabia que tinha que ir até à cozinha, ao menos para confortar sua mãe por subordinar aos ritos tradicionais determinados pelo parâmetro de uma família cristã. Não precisava jantar, mas, cuidar de se sentar por alguns minutos na mesa de refeições. Aliás, ele era cerimonioso. Desceu, portanto, à cozinha, mas, em vez de comer, deu preferência a tomar café ultraforte numa xícara média antes de sair de casa. Sua mãe o esquadrinhava discretamente dali do quarto de costura, à medida em que ia pregando o botão que se desgarrara da camisa, a qual ele desistiu de usar naquela noite por esse defeito felizmente corrigível. Ela orgulhava-se por cumprir sua função de mãe ao confinar o filho em seus devidos cuidados, ainda que Alan, por seu turno, entendesse aqueles zelos como um excesso.

A euforia cedeu lugar ao silêncio, o qual se adensava gradualmente na cozinha feito um substrato para mergulhar seus contumazes pensamentos, ora esclarecidos, ora intrincados acerca de seu relacionamento com a família e a posição desta perante a si e aos seus amigos. Debruçado sobre a porção esfumarada de café, rumava-se com cautela pelo caminho de suas conclusões individuais, tendo como resultado a base de sua decisão provisória, pelo fato de sempre estar retomando e readaptando diariamente esses assuntos sem sair da fronteira de seu ideário, onde sua consciência assume a qualidade de oráculo.

Na véspera do derradeiro trago de café, a sua mãe se irrompe à porta da cozinha apresentando-lhe a camisa novamente pronta para o uso. Alan a examina sem sair da cadeira e elogia o trabalho de Dona Diná. Com a voz em mornura, avisa que está de saída e retira-se definitivamente, em direção à garagem. Enquanto manobra o carro, sua mãe lhe pede para voltar mais cedo, fantasiando violências que podem vitimar seu querido filho, principalmente se fosse dirigir em rodovias movimentadas. Ele diz para se despreocupar e que precisa de um pouco mais de dinheiro. Depois desiste do pedido por ter a certeza de que não será atendido. Fecha o portão com um simples toque no botão do controle remoto e arranca o carro em direção à casa de Rossi, quase atropelando um casal de jovens que, em pleno namoro, tomava o meio da rua.

Consegue estacionar tranqüilamente num lugar seguro. Confere seu semblante pelo retrovisor, bate as mãos na camisa e, finalmente, sai sem mais hesitações. Chacoalha a penca de chaves extraindo dela um tilintar ritmado enquanto avança para a campainha. Antes de Rossi, o cachorro espalhafatoso aparece cheio de bravatas ao portão. A vontade de arremeter um pontapé naquele animal escandaloso era eminente, mas sabia que poderia lhe arrancar uma porção pêlos com a fúria de seu chute equipado com um sapatênis de bico duríssimo. Preferiu, portanto, acender um cigarro a se desgastar com a fanfarronice do bicho.

Lá fora, o vento frio causava-lhe mais inquietação. Apenas o cigarro lhe distraía, senão, alguns carros que por ali passavam à escuridão. Na metade da vida do cigarro, Rossi chega com breves palavras de desculpa pela demora. Os dois se entreolham silenciosamente como se passasse de um para o outro a confirmação de uma informação desejada. Entram no carro para a consagração da sexta-feira, embalados ao som dos Mutantes.

Os bares da pequena cidade estão povoados de mortais à procura inconsciente de alguma tragédia alheia ou de alguma peripécia capaz de subverter o andamento da rotina da semana. Os olhos não cessam seus movimentos circunvagantes, cruzando-se mutuamente. Nenhuma pessoa se abstinha de capturar a outra pelo campo sensorial.

Alan meditava profundamente acerca daquela forma de socialização como se o espaço social fosse um auditório e seus componentes fossem a platéia que chegara cedo para não perder o possível espetáculo – e por que não? – alienígena. Podia compreender a essa altura tal situação que se dava do lado de fora de seu carro. Porém, enquanto nenhum sinal de inusitação se manifestava dentro do diâmetro que os olhos de todos ali alcançavam, o comportamento comum entre eles era nada mais do que se inundar com bebidas e se atafulhar com comidas gordurosas, fazendo suas próprias tragédias. Ainda que diferente, Alan e Rossi empenhavam-se para a sorte de uma noite em consagração, fadando o dia seguinte a uma ressaca, tragédia esta contornada com facilidade, também compensada pela decisão cumprida auriginosamente.

Conquistaram uma mesa inóspita ao fundo de uma lanchonete que, juntamente com suas concorrentes, ladeavam a praça. O garçom já sabia que Alan fazia preceder à qualquer escolha a exigência do cardápio para sua sistemática consulta, embora sempre decidia comprar a cerveja com qualidade e preço intermediários. Tão logo recebera a carta de opções, folheou-a metodicamente até atingir a página que continha a lista de bebidas. Analisou contidamente, comparou silenciosamente a variedade de preços oferecida pelas lanchonetes ao lado. Por fim, pediu a bebida desejada e já prevista pelo atendente. Aguardava, dali em diante, o pedido com um grácil entusiasmo, deixando escapar uma cantarola que insistia em ressonar dentro de sua cabeça: “enquanto você me critica eu vou no meu caminho”...

O pedido se materializou antes mesmo de trocar palavras com Rossi. Ao passo em que ia enchendo os copos, comentou galhardamente, com um tom de voz natural, que se sentia bem naquela lanchonete porque a cerveja vinha sempre numa temperatura ideal, além do mais, Sr. Evaci, o dono daquela birosca, era gente boa porque abria nota com exclusividade para poucos clientes e nunca fraudava a conta como faziam os garçons do Bar Scalla, o qual ficava numa das esquinas da Praça Coronel Zeca Leite, a poucos metros dali. Assim que encerrou o comentário, trataram, portanto, de brindar à noite, afogando ilusoriamente a sensação de vazio espiritual a qual acreditavam preencher com claudicações naturalmente corriqueiras em jovens que não temem o risco da desventura. Aquele ritual se repetia numerosamente.

Ao cabo de sua incipiente bebedeira, Alan, todavia, sentiu chegar repentinamente a ponta de uma aguda embriaguez, fazendo ressurgir em seu pensamento a reflexão sobre si próprio, pela qual, em tempo recente, tinha sido arrebatado durante o café na cozinha antes de sair de casa. Entendia que a quebra-de-rotina nos finais de semana passou a tomar característica prosaica. Temia que o referissem com compunção, a lhe dar condição de coitado. Porém, a dúvida que o consumia interminavelmente o fazia interrogar se, afinal, a sensação de imperfeição e de culpa era porque seus finais de semana estavam lhe preocupando por configurar seu futuro num real quadro clínico de alcoolismo ou porque o clima que se instalava em seu espaço familiar produzia uma tensão que lhe extirpava a paz espiritual simplesmente por decidir aproveitar sua liberdade.

Dormitava em seu imo o domínio a essa perplexidade malquista. E na esteira do tempo, pela liberdade ou pelo vício, Alan continuou a se envolver em noitadas sob a cumplicidade de Rossi, que também partilhava da embriaguez temerária.

[João P. guedes]

domingo, 26 de agosto de 2007

domingo de sol na bahia

Da janela o Sol anuncia
Domingo de verão na Bahia

O dia está belo
Pega o sombreiro
Apanha a canga
Calça o chinelo

Vou junto com minha laia
A caminho da praia.

O sopro da brisa enrola as ondas
Coroadas com cachos de espumas
Bebo água de côco gelada
Caio no mar p’ra curar a ressaca.

A areia começa a esquentar
Avisando a hora de voltar.

Fecha o sombreiro
Calça a sandália
Sacode a canga
Vamos p’ra casa.

Esvaem-se os pensamentos gris
Começo a semana feliz.

(João, SSA, 26.08.2004)

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

como é bom

é sempre bom quando sinto tua cabeça sobre minhas costelas
e te deixo, com cumplicidade,
escutar os barulhinhos borbulhantes vindos de meu suco gástrico
enquanto fico a dedilhar teus cabelos, sedando-te com afagos.

como é bom ter nossos corpos coesos,
sendo levados pelo ninar de uma rede
estendida numa sublime varanda
e, entre os cheiros de salitre e poluição,
sorver o perfume sutil de relvas do jardim mais próximo,
trazido pela brisa de verão de um final de tarde.

como é bom enxergar na profundidade de teus olhos
o resplendor da loucura sempre quando percebes
as delícias da aventura pela liberdade.

como é bom contemplar teu semblante
vertido na limpidez da maturidade
ao desmanchar em miuçalhasa solidez da covardia
e, num átimo, prender nos dentes
a coragem que precisava para desbravar os perigos obsedantes.

como é bom escutar as canções sípidas
que vibram timidamente no silêncio da atmosfera
ao sair de tua boca,
lambusando teus lábios com as doçuras das melodias.

será sempre bom ser refém da saudade
dos momentos triunfantes que construímos
como deuses amadores.

(anafórico João P. Guedes)

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

paródia


Bebo porque é líqüido.

Se fosse sólido,
faria uma batida!

(adaptado por João Guedes).

saudadejo

Certo dia a encontrei
Por acaso, em meu caminho
Para ela acenei
Ela disse: “oi, anjinho”!

Um par de asas me ergueu
Nem o chão sentia mais
Musa de meus madrigais
Quero agora um beijo seu.

Tinha um olhar brilhante
Que nem o Sol imitava
Quando ela me beijava
Nada mais era importante

Apanhei-na pela mão
Quando só estrelas via
Sacudia meu coração
Revolvido de alegria.

Mas o anjo se quedava
Ao amanhecer o dia
Em seus sonhos ruminava
Sempre a mesma fantasia.

Por saudade do amor
Que queria recomeçar
Alguém na porta tocou:
“Oi anjinho, vamos voar”.

(João Guedes)

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

confissão

É certo que me repito
É certo que me refuto
E que, decidido, me hesito
No entra-e-sai de minuto.

É certo que, irresoluto,
Entre o velho e o novo rito,
Atiro à cesta o absoluto
Como um inútil papelito.

É tão certo que me aperto
Numa tenaz de mosquito,
Como não tantas vezes certo
Eu ocutar de vez o meu grito.

Certo, certo, certo......
Que mais sinto o que reflito?
As fábulas do deserto
Do raciocínio infinito.

É tudo certo e prescrito
Em nebuloso estatuto
Ao homem, chamar-lhe mito,
Não passa de anacoluto.

(João Guedes)

renovação

Embaraçosa desculpa
Depois me chega com assanho.

Veste a camisola
Que estou sem fome.

O pesadelo que tive
Foi acordado mesmo:
A ambulância chegou
Junto com a polícia.

Acabou meu remédio.

Vou sair à porta
E não volto mais.

O jornal levará notícia
Aos desavisados.

Meus olhos agitados
Afogados em sangue
Exalando maldição
Explicam o dever cumprido.

Aos poucos
Meus nervos dilacerados
Descansam numa pluma onírica.

O telefone adormece;
As luzes pulsam nas cortinas;
O tapete lembra o soalho de açougue.

A vela, em sentinela
Espia a transubstanciação.

O desamor fede a
Adeus, menina
Da paixão que carrego
Num recorte de retrato
Atirado na lixeira.

(_crotalo_)

domingo, 12 de agosto de 2007

a jura

Chega a noite túrbida em névoas esbranquiçadas.

Arrepios sinistros percorrem sucessivamente
pelas irregularidades das costas,
enquanto me cerro aos sorvos.

Os baques do coração se turbinam
e o sangue passa a borbulhar-se;
Sinto o frio da morte
envolvendo meu testado franzido de susto
pelo risco da carona que tomo com a aflição;
Abraso um despretensioso cigarro.
Mais outro, mais outro.

Peno por alguns segundos
a minha saúde em maltratamento.
Por outros segundos defluídos,
corrijo a pena convertendo-a em prazer niilista
pelo consolo do veludo gasoso
e pelos galopes dos pensamentos desdobrantes.

Percebo maravilhosamente
que estou salvo pela cinética do cosmo,
mas uma salvação transitória, contestável,
porque salvação é promessa, pedido,
labuta jurada contra os infernos daqui, embaixo.

Nessa maneira de entender, agarro um pedido
e deixo risonhamente que a podridão
intrujona e devastadora
desmanche a minha forma estrutural
e me devolva,pouco-a-pouco,
ao princípio do que ainda não conheço,
embora suspeite, na fundura de minha observação,
a sua chegada, o nosso encontro irresistível e reticente...

(crotalo)

tropóico

Quão bons os prazeres da metáfora,
Essa liberdade geniosa de dizer o indizível
Com referências próximas de nossos sentidos
Que sedimentam seus significados
Nos espaços de nossa alma,
Nos porões da lembrança,
Nos pântanos estuantes do coração.

Que seria de meu desabafo
Se me proibissem dizer
Que sou um "velejador do destino"?
Ah! seguramente seria
Um infrator das regras
Pra beber minha poesia!

(João Guedes)

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

sentimentos

Sentimentos enchem os corpos
Que se movimentam pesados,
Imersos em seus sonhos tortos
Marcando seus caminhos abertos;

Sentimentos mapeiam memórias
Às glórias, derrotas ou enganos,
Traçados à ordem da história
De cada corpo em seus planos;

Riscam nas faces seus momentos
Encharcam corações passivos
De dor, raiva, medo e de alento,
Tão admiráveis quanto nocivos.

São efeitos, da realidade absorvida,
Os sentimentos, sob a pele, sentidos
Diversificando a ordem da existência
Governando toda e cada experiência.


João Guedes

vívido

Elementar no espaço,
sigo o devir que me atina mais bravura
pra que o solavanco desse chão
que risca na frente de minhas pestanas
não me amolestie nas trevas frias,
pelo desacordar de um sonho bruto
que significa o meu amor e meu pecado;
de minha vida o valor,
de meu esparro, o perdão.

(João Guedes)

quarta-feira, 25 de julho de 2007

cabaré internacional

Brasil, não me leve a mal
Mas você se prostituiu
E sua função hoje é servil,
De cabaré internacional.

Pátria amada e gentil
Engendrou o carnaval
Jogou fora o fuzil
P’ra pegar no berimbau.

Suas mulheres, que legal,
São atrativos adorados
P’r’o turismo sexual
De estrangeiros ressecados!

Sua imagem pelo mundo
Divulgada com maestria
É de um bumbum roliprofundo,
Próprio para a sodomia.

Entrou na globalização
Promovendo diversão
Tem roupa suja na pia
Mas vai cuidar da putaria.

(João P. Guedes). Salvador-BA, 15-04-2007

quinta-feira, 5 de julho de 2007

solos esquizofrênicos

Naufragado na soledade. A visão é visitada por um
embaçamento. Meus olhos se afogam na umidade de lágrimas
ligeiramente reprimidas. Borro as estrelas.

Um pensamento ancorado no passado; meu presente
inerte, paralisado. Sou movido apenas pela dinâmica dos
devaneios que se fazem anarquistas, independentes de meu
controle; indômitos, selvagens...

Aos poucos, ela desce em meus pensamentos, tão puta
como a tenho conhecido. Conservava-se numa beleza
implacável, os lábios rubros; a pele lisa, revestindo a
exuberância de seu corpo desejado.

O cheiro de lascívia exala na escuridão de meu quarto.
Vedete de meus sonhos que tomam cada vez mais o brio
de pesadelo, por não saber quando a terei novamente ao
meu lado.

Solo em meio ao frio da madrugada.
Por um instante, retorço-me ao mesmo tempo em que
meu corpo fálico rijo e encharcado tanto de sangue
quanto de volúpia esguicha um gozo espesso e quente,
resvalando-se nas costas de minha mão.

Fecho os olhos e sorrio com incontinência.
Ela sussurra nos meus ouvidos agradecendo e me beija.
Em seguida, me acaricia até meu sono pegar embalo. Durmo
pesadamente e, então, ela retorna para a sua sepultura.

(crotalo)

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Resenhas maquiavelianas

Manual do Governante
A obra "O Príncipe" equivale-se a um "manual prático" que prescreve a maneira de como governar, angariar e conservar o poder nas mãos do governante. Com seu acurado poder de observação derredor dos fatos históricos, Maquiavel expõe as condições políticas de diversas regiões e deduz que tal governante deve agir de tal forma que o poder conquistado não se desfaleça, exortando, portanto, ações obstantes aos valores morais para atingir o fim almejado pelo governante ("os fins justificam os meios", como o próprio Maquiavel postula). Pode-se, então, inferir que, a partir desse ponto de vista, a obra O Príncipe é uma reunião de preleções destinada PRIMORDIALMENTE ao príncipe, mas de CONSEQÜÊNCIAS que se adaptam ao modelo político conhecido como República. Ou não?

Revolução no Pensamento Político
Sei que essa obra clássica revolucionou o pensamento político, o qual se encontrava, até então, na base do senso comum e que Maquiavel elevou ao platô onde ficam as ciências. Talvez, pela existência de modelos de repúblicas e principados (onde conservam a representação do príncipe) existentes ao longo da linha histórica - a qual serviu de base analítica para Maquiavel -, ele mesmo tentou conceber com muita provisão de competência um pensamento que serviu de generalidade para ambos os regimes que Maquiavel, até então pôde debruçar sua investigação e indução.

Totalizar o Poder dos Principados em um só Poder
A aspiração em transformar a Itália – atrasada em relação a outros Estados europeus daquela época, séc. XVI) – em República foi o impulso primário que levou Maquiavel a produzir seus escritos. O modelo de Estado moderno absoluto, caracterizado pelo poder centralizado nas mãos do rei, era exemplar para resolver a Itália e acabar com a situação de um aglomerado de principados que pulverizava o poder e favorecia incursão e dominação francas por aquelas terras.

(João P. Guedes)

domingo, 17 de junho de 2007

diamantes líqüidos


Diamantes líqüidos
roga a boca do catingueiro
com sua voz minguante
que corta a aridez do ar.

Dentro da ordem de seus ossos
trepida um coração
encharcado de fé
que faz derramar de seus olhos
a certeza imarcescível
de que sua prece
expedir-se-á
para os ouvidos do céu
onde guarda
na escuridão
das formas suspensas
o tesouro
de diamantes líqüidos.

(João Guedes)




segunda-feira, 11 de junho de 2007

versalena

A saudade é um refrão
que a vida canta
pelo bem
abduzido
a contratempo,
ciciando dor pela memória
da última silhueta
que reverbera na janela.

(João P. Guedes).

sábado, 9 de junho de 2007

magarefe madrugagem

Sempre que podia
Assim vovó dizia
À netama
De jovens mancebos:

"Quem dorme cedo
Cria carne e sebo;
Quem dorme tarde,
Nem sebo nem carne".

E nas horas mortas
Eram minhas carnes abatidas
No açougue da boemia
De noites desdormidas.


(joão guedes)

sexta-feira, 8 de junho de 2007

a perfeição

A perfeição é transitória
Existiu desde outrora
Fugidia e delusória.

Num momento está ali,
Em um outro vai embora.

Sua glória não demora
A auto-crítica lhe implora.

Na virtuose se embola
E se desembaraça
Como truque de cartola.

De chofre, se esvanece
Acolá reaparece
Sempre cheia de graça
Por onde ela passa.

[joão guedes]

terça-feira, 5 de junho de 2007

a eito

Meu passado é um mapa
Riscado de agruras e regozijos.

Meu futuro é um labirinto
Povoado de medos e esperanças.

Um mapa para o labirinto
Nem sempre correspondentes
Incompatíveis
Incomplementares...

No passado eu me encontro
No futuro me espero.

Nas previsões e
Nas surpresas
Vou deixando minhas pegadas
Borradas
Coloridas
Encantadas
Doloridas.

[João Guedes]

domingo, 3 de junho de 2007

encosto


Encosto

Meu bem tão longe fica
De meus braços baldios
No desejo ela encosta
E fica...

Nos ateios dos sonhos
Se propaga em graça.

Na distância nefasta
Ela não me basta.

Nos andares das horas
tanto demora a pirraça,
Mas, sinto que o tempo passa
Em gotas descontadas,
Juntando o meu abraço
Ao corpo dela em vida
Ainda que permaneça
Dentro de mim possuída.

(Joao P. Guedes)

pílulas abstratas

PÍLULAS ABSTRATAS

Andei, persisti,
Encontrei e entrei.
Suspeitei e entendi.
Provei...

...Saí.
Perdi, voltei, abusei
E me afoguei.
Arrependi-me e
Lágrimas decantei.
Emudeci e me apaguei.
Ancorei.
Dormi, sonhei
E pesadelos temi.
Acordei e imaginei.
Hesitei, mas corrigi.
Levantei e sorri.

Como sempre, estavam ali,
Prontas para serem engolidas,
As pílulas abstratas,
Travestidas
De dor,
De vício,
De amor,
De nada disso.


[joão guedes]

sábado, 2 de junho de 2007

folclore

FOLCLORE


Madrugada chegou.

Lua cheia alumbrou
O vazio que ficou
Nas ruas do interior.

Cruviana soprou
E o casal se apertou

Mas o frio devastou
A nudez do vadio
Entrincheirado ao canto,
Nos monturos do lixo.

O guarda se assustou
Com o vulto sombrio;

O cachorro uivou
Quando o vulto passou;

A beata rezou
depois do arrepio.

Era o lobisomem
Que a cidade não o viu.

[João Guedes].

quarta-feira, 30 de maio de 2007

translações


TRANSLAÇÕES

Fruto do passado
Sou eu, assim, mastigado
Entre essas cruentas engrenagens.

Inanes cinéticas morais
Que desfazem meu estado de evolução.
Sou ensinado, enquadrado,
Quase um robô, só que ainda defeco.

Sou semente irrompida para conceber família
E formar outras matilhas no trabalho, nos clubes,
A custa de um sonho incorreto, utópico.

Não sou personagem-enredo de meus anseios.
Não pude realizar meus sonhos.

Sou uma semente anômala
Que se esfacela em busca da perfeição.

Hoje sou um pesadelo concreto e animado
Por falhas de previsões.

Eu sou realmente a minha parte desconhecida.

(João Pinto Guedes – Salvador, 2000.)

segunda-feira, 28 de maio de 2007

ENGARRAFADO NA AMPULHETA



O tempo não me dá tempo
De poder aproveitar o tempo,
Pois, atrasado fico eu no tempo,
Por não seguir, a cada momento,
O tempo certo da agulha em movimento.

Rotina é fadada ao desalento
E passo a cada passo lento
Pela vida tão fugaz,
Mas que novidade sempre traz,
Mesmo sendo fora do tempo.

O amor que tenho não entendo,
Mas sei que me deixa doendo.
Devastado de agonia
Bebo o soro da poesia:
Malsão em versos de elegia.


(J. Guedes)

sábado, 26 de maio de 2007

a digressão para o lixo

O homem é o ser mais inteligente da face da Terra porque ele foi o único a inventar o lixo.

A partir dessa assertiva notadamente irônica, percebe-se que a suposta inteligência humana -aliás, presumida pelo próprio homem - cunha-se numa audácia inescrupulosa que fére catastroficamente o ciclo de reaproveitamento espontâneo de tudo aquilo que a natureza oferece para a manutenção da vida enquanto fenômeno.

Em vez de "elo perdido", arriscaria, no entanto, denominar "elo rompido", o que fez digredir o homem, através de sua inteligência presumida, de um percurso evolutivo diferente do que se tem seguido.

E quanto mais gente se junta, mais lixo é produzido. Talvez, portanto, o lixo seja conseqüência da invenção da sociedade contingencial, que permitiu aglomerar um número vultoso de indivíduos virtuosos em destrutividade.