sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

solapada democracia nacional

A 3ª edição do Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3 tem suscitado, recentemente, muita polêmica nos âmbitos político e jurídico, figurando uma retesada altercação derredor do instituto do regime democrático assegurado pela Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. O tratamento das matérias compreendidas naquele instrumento político, decretado em dezembro de 2009 (e modificado em janeiro de 2010), representa um passo avante a um padrão moral coerente com o modelo de democracia preceituado pela Carta Magna vigente.

Porém, diante da amplitude de matérias previstas no referido plano, interessa, neste abreviado escólio, abordar um ponto especial: a atribuição de competência à Comissão da Verdade para “promover a apuração das violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política”. Tal encargo conferido, a priori, à Comissão de Verdade causou um alvoroço histérico por parte daqueles que patrulham a ideologia conservadora que entrava o desenvolvimento desse pobre país.

Incomodados com a aludida locução sintática prevista no plano, o discurso virulento da oposição (principalmente o do setor militar) ganhou força o bastante, capaz de cooptar o Presidente Lula para substituir instancialmente a expressão “repressão política” por “conflito político”. Essa alteração foi feita porque os militares temiam que a expressão “repressão política” autorizasse a Comissão de Verdade para investigar os órgãos repressivos da época, onde foram desencadeadas sistematicamente as torturas entre outros crimes de lesa-humanidade.

Além disso, a proposta de vigorar a expressão “conflito político”, dada pelos reacionários ao PNDH-3, deixa um ledo e movediço subterfúgio na tentativa de NIVELAR, com os militares torturadores e terroristas, os civis que combateram o quadro antidemocrático imposto ao longo do regime ditatorial instalado no Brasil. Todavia, é cediço que a Lei da Anistia (Lei nº. 6.683/1979) adveio para, obviamente, ANISTIAR esses civis acusados e condenados por crimes políticos. Ou seja, para esses sujeitos a supracitada lei determinou o perdão pelos crimes políticos supostamente praticados ou efetivamente cometidos. Em suma, todos aqueles civis permanecem cabalmente revestidos pelo benefício da anistia concedido pela referida lei.

Portanto, mostra-se redondamente inócuo o propósito da ala opositora ao PNDH de forçar um pareamento dos civis anistiados com os criminosos militares para fins de aplicação de sanções penais decorrentes de crimes políticos. Afinal, basta compulsar a lei supracitada para haurir a certificação de que a anistia foi concedida apenas àqueles que cometeram crimes políticos, cujo sujeito ativo (autor do fato típico penal) só pode ser civil; jamais, agente estatal em pleno exercício de sua função pública.

Enfim, esse troca-troca de termos no texto do PNDH-3 fez simplesmente um volteio danado para estacionar no mesmo lugar o discurso de outrora. Tudo isso para atrasar a consolidação de nossa tão almejada democracia. E a página sangrenta de nossa história continua aberta, cronicamente gangrenosa, aguardando a cicatrização pelas mãos da real justiça conferida à Comissão de Verdade.

[j. guedes]

* http://www.viomundo.com.br/denuncias/a-entrevista-do-ministro-vannuchi-a-globo.html

* http://direitoecultura.blogspot.com/2008/08/lei-da-anistia-e-crimes-de-lesa.html

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

a máquina de lavar roupa

A maquina de lavar roupa
Eu troquei numa gamela
Deixe quem quiser falar
Mamãe se dá bem com ela

Troquei a geladeira numa talha
Minha blusa de nylon num gibão
O meu filtro chinês por um purrão
Meu chapéu de baeta num de palha
Minha moto num burro de cangalha
O revolver numa baleadeira
O tapete importado numa esteira
Uma jarra vidrada por muringa
Meu wisk escocês eu dei por pinga
E a guitarra em viola de madeira

A lasanha gostosa do almoço
Eu consegui coragem pra trocar
Por buchada e carne pra assar
Vou comendo com bem menor esforço
Troquei kibe por carne de pescoço
Cocaína branquinha por rapé
O sapato caríssimo do meu pé
Troquei numa alpercata de rabicho
Faço isso com garra e com capricho
Ser feliz eu espero e tenho fé.

[Bule-Bule]

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

domingo, 21 de fevereiro de 2010

foro íntimo

Fixou, o homem, em seu limite de conveniência,
a plenitude do benfazejo.

Nos olhos firmes para o traçado do futuro,
o lume da sobriedade
desacanhava-se ao exacerbo,
mas sem figurar um excesso,
senão um limiar de suficiência
ou um adendo indispensável
para assegurar o êxito
de cada passo desempenhado na busca
do próprio estado de completude.

Gravitava-se no compasso tardio,
o qual se punha a consolidar
a significação de uma angular
da dinâmica da esperança.

Importava o advento dessa premissa
como convite para se fiar no ritmo da espera.

Assim, regia-se pela organicidade do tempo.
Não, tempo não.

A invenção do tempo
já mostrava-se
de afastado convencimento
nos contornos da organização
de sua base ética.

Porém, compreendia, sentia e agia
em conformidade do momento primotriz;
resultava-se da pureza primária
do reflexo pulsante e orgânico
aos estímulos exógenos tanto quanto endógenos,
de que tornava-se necessária e variavelmente hostil.

Implicados a essa equação,
os lados da escolha potencializavam
sua condição de sujeito,
pois, assim se acondicionava
pela mera faculdade de decidir
e praticar sua vontade íntima.

A omissão e a comissão encerrar-se-lhe-iam
como pólos propínquos do arbítrio
calcado no orbe da incerteza
de seu fracasso ou de seu triunfo.

No entanto, arriscava-se
ao infinito do agora,
doloroso e irrefreavelmente fértil,
a semear, por fim, surpresas e desafios
para si e a tudo que se instala em sua volta.

[j. guedes]

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

socrático

Pode ser que, talvez, haja uma possível probabilidade
de eu ter a razoável certeza
de que nem tudo parece, ao certo,
ser como eu penso que seja,
porque eu imagino que nem tudo
que pareça ser às vezes é,
já que, salvo engano,
o que é nem sempre é possível
de ser como imagino que seja.

Isto é, a certeza do que posso entender
como certo aquilo que seja certo
é impossível de se saber,
pois há possibilidade de não ser,
de fato, uma certeza
o que eu esteja pensando
sobre o que quer que seja
possível de ser.

[j. guedes]