quinta-feira, 13 de novembro de 2008

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

introspecção

Entre minhas orelhas
E dentro da escuridão
De meus olhos cerrados,
Ergue-se um valioso templo
Onde reserva o oráculo
Que tanto procuro,
Quando esqueço
meus sentidos
Ocupados em formas alheias e
Crispadas na existência.


[j. guedes]

domingo, 12 de outubro de 2008

Divago numa vaga
e não só
um afago que se apaga
me acaba,
mas um nó
que me trava
não desata
nem me mata.

[j. guedes]

crença

Se deus existe
ou não existe
fica por conta
da ignorância
de cada um.

[j. guedes]

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Mundo real: prevalência da forma.
Mundo racional: prevalência da fórmula.

[João Guedes]

sábado, 16 de agosto de 2008

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

reputação

Mr. Brock é um sorrateiro das desilusões,
que professa com sarcasmo as regras
de como sobreviver diante das condições desfavoráveis,
com o valioso propósito de comprometer a integridade pessoal
distante das moléstias pueris
que a realidade acredita ser de profunda sinceridade.
Jogral das horas vagas,
Brock se concede ao mundo
para rir do absurdo
e se empanzinar de hedonismos,
o fim supremo
de sua existência
no meio social.


[j. guedes, 2005]

quinta-feira, 31 de julho de 2008

implicância*

*Conto dedicado a Iraildes, mãe de Emanuela, Rebeca, Renata e Jai.
______________________________
Era uma manhã cheia de quentura como as de costume. A evaporação tremeluzia a paisagem; a rotina se prosseguia até a fadiga encostar na gente. Sendo mirado pelo Sol, eu estava bem terminando de picotar uma carga de palma no cocho do curral para o gado comer, quando uma poeirada das grossas se alevantou ao longe, no começo da estrada que vem dá aqui na roça. Fucei com as vistas o horizonte e tive a certificação de que é vinha um carro brilhoso nas carreiras. O roncado do motor já se ouvia a longa distância, de modo que as crianças se enfiaram assombradas para dentro de casa na rapidez de uma chispa e subiram na marquesa perto da janela para espiar a ocasião. Têm uma curiosidade do Cão, esses meninos. A mulher permaneceu lá dentro, fazendo o serviço de casa e cuidando de seu pai já murcho e desdentado. Normalmente ela não aparece para assuntos que eu possa resolver quando estou presente na nossa propriedade.

Assim que me dei por acabado com o serviço diário de alimentação do gado, guardei o facão na bainha, tirando do metal um chiado frio; limpei com a manga da camisa o suor da testa e me recolhi à sombra do juazeiro do lado de fora do curral que fica bem pertinho da nossa morada. Catei do bolso de minha camisa a bagana de cigarro para pitar à medida em que esperava o carro se aproximar. Sem demora, a caminhonete encostou à beira de casa e teve as portas abertas para o apeio dos chegantes. Surgiram dois homens de uma nuvem de poeira ruiva, abanando os braços, tossindo e cuspindo a terra que lhes furtava o oco da boca. O motorista parecia ser o capanga daquele sinhô que, em antes mesmo de dizer “bom dia”, fez raivosamente um comentário do incômodo pelo calor, no que seguidamente me dei por confirmar a causa de sua inquietação balançando a cabeça. Vestido com um chapelão de abas arrebitadas, se arremeteu com o braço esticado p’ra perto de mim e nos cumprimentamos.

Depois que disse o seu nome, Dr. Sidney, indagou a saber como é que eu estava, se eu estava bem e respondi para ele que eu estava na lida que Deus me ofereceu para garantir sobrevivência, pois a dificuldade é o que nunca se acaba. O capanga apeado do outro lado do carro me saudou com a palma da mão perto do rosto, com os dentes encolhidos à boca. Naquele momento ali facultei pela circunspecção. As crianças se desencafifavam aos poucos e iam se ressoltando no vazio do terreiro, mas sem perder a atenção aos visitantes.

Depois de um ligeiro silêncio, Dr. Sidney ralhou novamente contra o calor e pronunciou que queria um pouco d’água para se aliviar da sede. Olhei duro para o menino mais graúdo e ele foi correndo para dentro de casa até sumir detrás das paredes. Voltara num assomo, a passos largos, tratando no entanto de equilibrar o velho caneco de alumínio cheio de água fresca do pote. O doutô ficou a avaliar a condição do caneco assim que o menino lhe repassou às mãos. Na roça a gente tem hábito de dispor um copo perto da moringa p’ra todo mundo usar, n’é? E todo mundo usa sem fazer muxoxos. Vi entonce que aquele sinhô estava com nojo. Apertou os cantos da boca e afiou seus olhos para examinar o caneco com mais apuração. Mas guardou consigo as palavras de ingratidão. Oxe! Ele que desembuchasse qualquer maledicência que dali sairia enxotado debaixo do requeime de meus vitupérios!

O menino, coitado, lhe fitava intrigado, coçando a couraça dura dos cotovelos, azunhando o doutô com os olhos, sem entender aquela cerimônia que se perdurava para tomar um simples caneco com água. Era um sinhô invocado, uma incógnita para o menino. A tensão que o doutor fazia no rosto, por fim, só diminuiu quando ele achou no caneco um cantinho que ele suspeitou ser mais limpo, mais higiênico, livre de imundícies das bocas alheias. Já segurava o caneco fora da asa, enviesado, torto, calculando o tamanho do espaço onde haveria de ser colocada a sua boca a contento. Definitivamente, os lábios murchos dele se prenderam com leveza na borda; com caprichosa lentidão foi entornando a água para o fundo do bucho. O menino então ficou surpreso com a descoberta do doutor e exclamou:

– Ué! Ele bebe água igualzinho ao meu avô!
(João Guedes, 2004)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

da perspectiva evolutiva

O que evolui não é propriamente o homem,
mas, sim, as
suas ferramentas e estratégias,
ou seja,
a maneira como ele satisfaz
as suas necessidades e desejos;

Ele, per si, sempre permaneceu
sendo o mesmo:
um complexo espaço cinético
ocupado por paixões e ignorâncias.

[j. guedes]

quarta-feira, 9 de julho de 2008

uma glosa ao filme "otávio e as letras"

Eu assisti recentemente ao filme nacional chamado "Otávio e as Letras", cuja técnica adotada caracteriza-se pela profusão imagética com diálogos rarefeitos, pouco freqüentes. Confere-se em sua estrutura (ab-)lógica um aspecto de trilogia por aventar em seu enfoque espectrográfico a retratação da emergência de manias em decorrência da solidão de 3 pessoas que habitam uma mega e cinzenta cidade: a flagrante paulicéia gris, mas, com sua imensidão colorida de sonhos. Nesse sentido, cada órbita subjetiva funciona baseada em regras determinadas com o objetivo de negar o mal da solidão, mas, ao mesmo tempo, ninguém se abstém de todo à solidão, pois, é nela que se torna possível a capacidade para fluir as imaginações e o encontro fictício de si próprio.

Trailer:

sexta-feira, 13 de junho de 2008

amoricídio


Esfacela,
fase cela!

Fale seca,
fale "case",
"casa e fel"!

Ela: faces...
Ele: ... facas!

...Lesa face...


[j. guedes, 2003]

segunda-feira, 9 de junho de 2008

S E R E I A


Quimera de entoadas enleantes
magnetiza incautos navegantes
mas, foi meu amor que me fez voltar
do escuro abismo onde ia me afundar
com o veludo da voz que me sustava,
paralisado com a beleza que me inebriava...

[j. guedes]




sexta-feira, 30 de maio de 2008

o silêncio

O silêncio tem a função de esmerilar as palavras,
Aguçá-las; deixá-las límpidas,
Estremes de ruídos e
incrivelmente pontiagudas,
Aguardando a melhor oportunidade
Para nos inocular
A embriaguez de seus significados...

[j. guedes]

seguindo em frente


Um breve prelúdio ao poema seguinte: outrora, lá nas lerranias de minha adolescência, a mensagem da canção "tente outra vez", de Raul Seixas, sobreveio-me como um tremendo realento, que me senti impendido a retransmiti-la, em outra combinação de versos, com a mais providencial intenção de enfatizar a importância dos possíveis reveses que enfrentamos ao longo do percurso da vida como uma forma valiosa de aprendizado. E assim ficou:

SEGUINDO EM FRENTE


Não me quero prostrado erroneamente
Vou me erguer da queda acontecida
Sacudir a poeira e seguir em frente
Contornando a batalha perdida

Moléstia alguma deve continuar
Impondo o medo como estropício
Vale sempre correr algum risco
E, então, um mundo novo a começar

Que posso ver do futuro?
Talvez eu não consiga enxergar
Está tão longe e tão escuro
Querer saber não vai adiantar

Num horizonte farto de imprevistos
Veleja em minhas idéias um barquinho
Sempre atento às barreiras e riscos
Que podem naufragá-lo no caminho

Que posso ver do futuro?
Talvez eu não consiga enxergar
Está tão longe e tão escuro
Querer saber não vai adiantar

Inevitáveis ao que sempre desejamos
São as derrotas que, não poucas, enfrentamos
A queda dói, mas, com esforço, levantamos
Pois, glória é sempre poder continuar.

[j. Guedes]

quarta-feira, 21 de maio de 2008

flor da dor

Onde a água é só pedido
E a fé mais um castigo,
Como pedra carregada
P’ra cumprir obrigação,
Beira a morte assombrando
O gado, a terra, o roçado,
O menino achacado,
Filho daquele vaqueiro;
Em couro possuído,
Inteiramente escaveirado,
Salivando a enlutada,
Cuja passada leva vida,
Em troca da dor deixada:
Mais uma pedra pesada
No dorso pagão padecido
Que grunhe um choro abafado.

A lágrima transborda salgada
Dos olhos com perda sentida
E a dor empoça a latência
Da vida na terra escondida,
Medrando o botão de uma flor
Na cova daquela inocência:
Beldade que brota querida
À vida pela dor devolvida.
[j. guedes]

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Ela


Rapto-lhe um beijo
e lhe carrego nos lábios
para os arcanos
de meus devaneios...

[j. guedes]

quarta-feira, 7 de maio de 2008

SANGRAÇO



Já estou em prontidão
com as veias em fervura
o punhal na cintura
e o rifle na mão.

No peito, levo a valentia
na promessa, a salvação
vingança é minha valia
matança, a minha diversão.

A sanha é minha ternura
piedade é meu palavrão
a glória é a minha cura
o mal, a minha educação.

Acompanho o bando torvo
pelas sendas do sertão,
aterrorizando o povo,
despistando o pelotão.

Pilho perfumes e diamantes
prata, ouro e brilhantes
Em cada vila, uma amante
que deixo e sigo adiante.

Desmoralizo a justiça
que se estertora no chão
feito um lote de carniça
a feder, na renegação.

No cangaço a pedra geme
todo firmamento treme
com a tropelia do bando
que já chega anunciando
a morte, o medo, a maldição!

[j. guedes]

quarta-feira, 2 de abril de 2008

terça-feira, 1 de abril de 2008

venalidade por convenção


A única profissão que existe no sistema capitalista é a prostituição,
sendo que a sexual afigura-se apenas uma das tantas modalidades
possíveis.

[j. guedes]

azo


Se tu não sabes
o que vais fazer da vida,
deparar-te-ás
com uma descoberta
incrível!

[j. guedes]

sexta-feira, 28 de março de 2008

"constaftações"

Tire o véu, amor,
não se afoite
e veja que as estrelas
são aftas que ardem
no céu
da boca da noite.

[j. guedes]


quarta-feira, 26 de março de 2008

diálogo dicotômico em hai cais


"Quando sonho
sou outra.
Inauguro-me".
(Helena Kolody)

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"Quando acordo
é outro dia
que se me põe a bordo:
desbravo-me".

[j. guedes]

segunda-feira, 24 de março de 2008

sábado, 22 de março de 2008


"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."

[Clarice Lispector]

sexta-feira, 21 de março de 2008

do pensar

O pensar foi o fruto
da evolução do homem.

Agora, a sua evolução
deve-se ao bom fruto
do pensar?

[j. guedes]

o propósito filosófico

O objetivo principal da filosofia
é persistir no burilamento
das questões
que inquietam
ontologicamente
o ser humano.

[j. guedes]

domingo, 9 de março de 2008

lavras de desejos


Quero te sentir o tempo inteiro
Pelo faro, pelos poros,
Pela língua, pelo falo,
Pelos olhos.

Selo uma singela carta
Com beijos no recheio
E mando pelo Correio

Minha boca em palavras
São lavras de desejos,
Todos eles bem guardados
Sobre o morno travesseiro

Deserto em meus sentidos
Explodem miragens
e suspiros.

Fios percorridos
De suor
Umedecem a noite
Que reboa o pulsar
Do coração apreensivo

Ela me ligou cedo
No meio da semana
Aparou os versos
Em seus lábios
E disse que me ama.

[j. guedes]

sábado, 8 de março de 2008

a memória da felicidade

Existe uma tendência estúpida do espírito a falsificar sem perceber a memória de uma alegria, a transformando na memória de uma felicidade; distorcendo a lembrança de um prazer passado, que na hora foi completamente não-sentimental, ao cobrir essa lembrança com a sentimentalidade da sua nostalgia.

A própria palavra felicidade tem uma conotação infeliz de vaga tristeza, de prazer mesclado de musiquinha triste, que é uma calúnia contra o prazer de fato sentido no passado; um prazer muitas vezes tão pouco sentimental que era só saudável, vigoroso, divertido: um período de dias em que você estava tão longe de se sentir poético quanto de sair voando.

Mas, quando você se lembra desse período de dias, imbecilmente cobre o seu prazer antigo com uma melancoliazinha poética nauseabunda. Não é tanto que você se sinta triste porque o prazer está no passado - é mais que você passa a imaginar o seu prazer antigo, sem perceber a distorção que está fazendo, como já tendo sido, mesmo naquela época, vagamente triste, sentimental, poético - feliz.

[Alexandre Soares]

sexta-feira, 7 de março de 2008

O Menino que Carregava Água na Peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos. Gostei mais de um menino que carregava água na peneira. A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água; o mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos. Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos. A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos. Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito porque gostava de carregar água na peneira. Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira. No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo. O menino aprendeu a usar as palavras. Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto final na frase. Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela. O menino fazia prodígios. Até fez uma pedra dar flor! A mãe reparava o menino com ternura. A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta. Você vai carregar água na peneira a vida toda.Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.

[Manoel de Barros]

domingo, 2 de março de 2008

na forma de ser

Um dia a gente perde essa ilusão
de que Deus tem a forma humana
ou que o ser humano tem a forma divina.


Em seguida, as pessoas deixarão de ser rebarbativas
porque passarão a ser apreciadas
nos limites da sua própria condição,
levando um sentido de anedota
a presunção de ser Deus
porque essa posição é frágil
por sua total virtualidade
sobre a insustentável
negação da vitalidade.

[joão guedes]

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

luminância

Cerro meus olhos
e na vastidão rubra
o seu capitoso sorriso
desenha-se suavemente,
como a ilharga luminosa
de uma lua crescente
no meio da escuridão do céu,
enfeitando a monotonia
de um espaço baldio.

[j. guedes]

o mundo fonovirtual



Para onde as músicas se recolhem
depois que se tocam?

Haveria algum arcano
onde elas povoam em latência,
à espera de meios que lhes permitam
minar para o mundo que, por seu turno,
também lhes aguarda consubstanciadas
em admiráveis vibrações?

Creio que a música seja renovável.

O silêncio de seu fim
a recompõe;
em algum recinto etéreo
ela recupera seu fluido
depois de exaurido
o fremir
da
derradeira nota...

[j. guedes]