sábado, 8 de março de 2008

a memória da felicidade

Existe uma tendência estúpida do espírito a falsificar sem perceber a memória de uma alegria, a transformando na memória de uma felicidade; distorcendo a lembrança de um prazer passado, que na hora foi completamente não-sentimental, ao cobrir essa lembrança com a sentimentalidade da sua nostalgia.

A própria palavra felicidade tem uma conotação infeliz de vaga tristeza, de prazer mesclado de musiquinha triste, que é uma calúnia contra o prazer de fato sentido no passado; um prazer muitas vezes tão pouco sentimental que era só saudável, vigoroso, divertido: um período de dias em que você estava tão longe de se sentir poético quanto de sair voando.

Mas, quando você se lembra desse período de dias, imbecilmente cobre o seu prazer antigo com uma melancoliazinha poética nauseabunda. Não é tanto que você se sinta triste porque o prazer está no passado - é mais que você passa a imaginar o seu prazer antigo, sem perceber a distorção que está fazendo, como já tendo sido, mesmo naquela época, vagamente triste, sentimental, poético - feliz.

[Alexandre Soares]

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