domingo, 26 de agosto de 2007

domingo de sol na bahia

Da janela o Sol anuncia
Domingo de verão na Bahia

O dia está belo
Pega o sombreiro
Apanha a canga
Calça o chinelo

Vou junto com minha laia
A caminho da praia.

O sopro da brisa enrola as ondas
Coroadas com cachos de espumas
Bebo água de côco gelada
Caio no mar p’ra curar a ressaca.

A areia começa a esquentar
Avisando a hora de voltar.

Fecha o sombreiro
Calça a sandália
Sacode a canga
Vamos p’ra casa.

Esvaem-se os pensamentos gris
Começo a semana feliz.

(João, SSA, 26.08.2004)

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

como é bom

é sempre bom quando sinto tua cabeça sobre minhas costelas
e te deixo, com cumplicidade,
escutar os barulhinhos borbulhantes vindos de meu suco gástrico
enquanto fico a dedilhar teus cabelos, sedando-te com afagos.

como é bom ter nossos corpos coesos,
sendo levados pelo ninar de uma rede
estendida numa sublime varanda
e, entre os cheiros de salitre e poluição,
sorver o perfume sutil de relvas do jardim mais próximo,
trazido pela brisa de verão de um final de tarde.

como é bom enxergar na profundidade de teus olhos
o resplendor da loucura sempre quando percebes
as delícias da aventura pela liberdade.

como é bom contemplar teu semblante
vertido na limpidez da maturidade
ao desmanchar em miuçalhasa solidez da covardia
e, num átimo, prender nos dentes
a coragem que precisava para desbravar os perigos obsedantes.

como é bom escutar as canções sípidas
que vibram timidamente no silêncio da atmosfera
ao sair de tua boca,
lambusando teus lábios com as doçuras das melodias.

será sempre bom ser refém da saudade
dos momentos triunfantes que construímos
como deuses amadores.

(anafórico João P. Guedes)

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

paródia


Bebo porque é líqüido.

Se fosse sólido,
faria uma batida!

(adaptado por João Guedes).

saudadejo

Certo dia a encontrei
Por acaso, em meu caminho
Para ela acenei
Ela disse: “oi, anjinho”!

Um par de asas me ergueu
Nem o chão sentia mais
Musa de meus madrigais
Quero agora um beijo seu.

Tinha um olhar brilhante
Que nem o Sol imitava
Quando ela me beijava
Nada mais era importante

Apanhei-na pela mão
Quando só estrelas via
Sacudia meu coração
Revolvido de alegria.

Mas o anjo se quedava
Ao amanhecer o dia
Em seus sonhos ruminava
Sempre a mesma fantasia.

Por saudade do amor
Que queria recomeçar
Alguém na porta tocou:
“Oi anjinho, vamos voar”.

(João Guedes)

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

confissão

É certo que me repito
É certo que me refuto
E que, decidido, me hesito
No entra-e-sai de minuto.

É certo que, irresoluto,
Entre o velho e o novo rito,
Atiro à cesta o absoluto
Como um inútil papelito.

É tão certo que me aperto
Numa tenaz de mosquito,
Como não tantas vezes certo
Eu ocutar de vez o meu grito.

Certo, certo, certo......
Que mais sinto o que reflito?
As fábulas do deserto
Do raciocínio infinito.

É tudo certo e prescrito
Em nebuloso estatuto
Ao homem, chamar-lhe mito,
Não passa de anacoluto.

(João Guedes)

renovação

Embaraçosa desculpa
Depois me chega com assanho.

Veste a camisola
Que estou sem fome.

O pesadelo que tive
Foi acordado mesmo:
A ambulância chegou
Junto com a polícia.

Acabou meu remédio.

Vou sair à porta
E não volto mais.

O jornal levará notícia
Aos desavisados.

Meus olhos agitados
Afogados em sangue
Exalando maldição
Explicam o dever cumprido.

Aos poucos
Meus nervos dilacerados
Descansam numa pluma onírica.

O telefone adormece;
As luzes pulsam nas cortinas;
O tapete lembra o soalho de açougue.

A vela, em sentinela
Espia a transubstanciação.

O desamor fede a
Adeus, menina
Da paixão que carrego
Num recorte de retrato
Atirado na lixeira.

(_crotalo_)

domingo, 12 de agosto de 2007

a jura

Chega a noite túrbida em névoas esbranquiçadas.

Arrepios sinistros percorrem sucessivamente
pelas irregularidades das costas,
enquanto me cerro aos sorvos.

Os baques do coração se turbinam
e o sangue passa a borbulhar-se;
Sinto o frio da morte
envolvendo meu testado franzido de susto
pelo risco da carona que tomo com a aflição;
Abraso um despretensioso cigarro.
Mais outro, mais outro.

Peno por alguns segundos
a minha saúde em maltratamento.
Por outros segundos defluídos,
corrijo a pena convertendo-a em prazer niilista
pelo consolo do veludo gasoso
e pelos galopes dos pensamentos desdobrantes.

Percebo maravilhosamente
que estou salvo pela cinética do cosmo,
mas uma salvação transitória, contestável,
porque salvação é promessa, pedido,
labuta jurada contra os infernos daqui, embaixo.

Nessa maneira de entender, agarro um pedido
e deixo risonhamente que a podridão
intrujona e devastadora
desmanche a minha forma estrutural
e me devolva,pouco-a-pouco,
ao princípio do que ainda não conheço,
embora suspeite, na fundura de minha observação,
a sua chegada, o nosso encontro irresistível e reticente...

(crotalo)

tropóico

Quão bons os prazeres da metáfora,
Essa liberdade geniosa de dizer o indizível
Com referências próximas de nossos sentidos
Que sedimentam seus significados
Nos espaços de nossa alma,
Nos porões da lembrança,
Nos pântanos estuantes do coração.

Que seria de meu desabafo
Se me proibissem dizer
Que sou um "velejador do destino"?
Ah! seguramente seria
Um infrator das regras
Pra beber minha poesia!

(João Guedes)

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

sentimentos

Sentimentos enchem os corpos
Que se movimentam pesados,
Imersos em seus sonhos tortos
Marcando seus caminhos abertos;

Sentimentos mapeiam memórias
Às glórias, derrotas ou enganos,
Traçados à ordem da história
De cada corpo em seus planos;

Riscam nas faces seus momentos
Encharcam corações passivos
De dor, raiva, medo e de alento,
Tão admiráveis quanto nocivos.

São efeitos, da realidade absorvida,
Os sentimentos, sob a pele, sentidos
Diversificando a ordem da existência
Governando toda e cada experiência.


João Guedes

vívido

Elementar no espaço,
sigo o devir que me atina mais bravura
pra que o solavanco desse chão
que risca na frente de minhas pestanas
não me amolestie nas trevas frias,
pelo desacordar de um sonho bruto
que significa o meu amor e meu pecado;
de minha vida o valor,
de meu esparro, o perdão.

(João Guedes)