- Pois, Ele decidiu se casar.
- Ele é maluco!
- Por que diz isso? Você também não é casado?
- E eu disse que não sou?
- O quê? Casado?
- Não; maluco.
- Espere um pouco. Preciso entender o teor espirituoso de sua colocação. Bem, então você é casado e não é maluco, mas Ele pode ser julgado maluco por decidir se casar.
- E eu disse que não sou? Foi exatamente isso que lhe perguntei antes; não lhe disse que eu era maluco por ter casado.
- Mas a entonação que você empregou fez insinuar sobre o seu casamento.
- Engano seu. Aliás, era você que falava de casamento. Eu falava de maluquice.
- Sim, maluquice de quem casa.
- A conjugação de casamento com maluquice foi por sua conta. Você falava do casamento, enquanto eu falava Dele.
- Já me predisponho a desistir de entender tudo isso. Por favor, ligue a TV.
- Olha, que agradável! Bem no horário do programa que gosto!
- Prefiro outro canal, onde passam mentiras mais interessantes que essa.
- Trocar uma mentira por outra em nada muda. Aliás, mentira tem um efeito só. Acho desastroso demais dar importância a uma mentira que não seja de si próprio.
- Então, por que tanta euforia para dizer que gosta desse programa?
- Por causa dos intervalos. Tenho o perfil concreto de público-alvo das publicidades.
- E o mercado anda muito preocupado com verdades.
- Não procuro verdades. Eu quero me ver, só isso.
- Agora percebi a coerência. Você se prende às mentiras publicitárias, imaginando o que lhe dizem ser parte de si. E outro lá que é maluco.
- E eu disse que não sou? E ainda mais: você que trouxe mentiras para o meio da conversa!
- Se insistir mais um pouco, acabo por me acostumar com o seu complicado "não dizer que é". Salve-se quem puder.
[j. guedes]
8 comentários:
Bacana, e a mentira que lhe persegue é a verdade que por entre verbalizas.
Toda palavra sem diálogo verdadeiro dá nisso, um não sei, oi, como???
as contra mãos, sabe como é...
Gostei bastante do contexto geral, deveria escrever mais texto assim, uma leveza ao criticar o casual do nosso cotidiano.
(Phia, CÓCEGAS)
Muito bom, João!
"Você diz que ama a chuva, mas você abre seu guarda-chuva quando chove. Você diz que ama o sol, mas você procura um ponto de sombra quando o sol brilha. Você diz que ama o vento, mas você fecha as janelas quando o vento sopra. É por isso que eu tenho medo. Você também diz que me ama…"
((William Shakespeare))
O texto mostra que o autor se esforçou o tanto quanto possível para descortinar um diálogo inusitado, inovador pela técnica de uma dialética virtuosa, etc, etc. Mas, enfim, só ficou na intenção. Com toda a sinceridade que um leitor voraz possa ter, sugiro-lhe trabalhar mais o gênio da escrita antes de tudo, ou, até mesmo, parar por aí. Deixe o mérito desse tipo de técnica literária aos cuidados de Kafka e Dostoiévski.
Heitor, muito obrigado pelo comentário demasiado incentivador. Achei muito considerável a sua observação sobre o aprimoramento técnico. Sempre pertinente insistir no exercício desse condicionante à virtuose, como conseguiram os célebres autores mencionados em sua crítica. Mas, com toda licença e pelo bem da liberdade de expressão, se eu paro ou não de escrever, isso é exclusivamente de minha conta.
Atenciosamente.
(voadora)
Shelp!!!
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